O artista visual espanhol Xevi Solà cria em suas telas personalidades que nascem no exercício de observação e no acúmulo de registros mentais, que, posteriormente, tomam forma com suas misturas de cores nas pinceladas à óleo. Seu trabalho torna-se ainda mais potente com a revelação de que grande parte deste repertório é composto por figuras que não existiam, mas que foram germinadas em algum ponto de sua imaginação. É como se ele fizesse as vezes de flaneur sobre a literatura sombria de Edgar Allan Poe (1809 – 1849) e a filmografia contemporânea de David Lynch, Quentin Tarantino e Irmãos Cohen, transpondo aqueles tipos da chamada sociedade americana “white trash” para as suas composições pictóricas.
Xevi imprime refinada ironia em “Pintura sobre pintura”, série que dá nome à exposição realizada pela Galeria Inox, cujas obras têm escancarada referência dos grandes nomes das artes visuais, como Vincent van Gogh, Edvard Munch, Henri Matisse, Francis Bacon, Damien Hirst, Jeff Koons, Ai Weiwei, dentre outros. Este trabalho começou a ser desenvolvido como uma forma de aprofundar sua pesquisa sobre os mestres da pintura e logo foi ampliado até os artistas contemporâneos de considerada repercussão mundial.
Em algumas destas obras, estes ícones da pintura aparecem como personagens em cenas que flertam com o Surrealismo, e, em outras, surge um protótipo feminino que o artista apresenta em suas pinturas com certa frequência. Estranhamente, Xevi encontrou, em uma viagem de trem, uma mulher muito semelhante à sua musa e que lembrava uma garota de sua escola que sofria bullying de seus colegas de classe. Ele reconheceu naquela passageira a menina do seu passado. Atônito com essa curiosa verdade, desembarcou do vagão e nunca mais voltou a ver aquela “etérea princesa de óculos”, reencontrando-a apenas em suas pinturas, na revelação de seus segredos mais longínquos, como forma de redenção às suas memórias de infância.
Marco Antonio Teobaldo
curador e pesquisador