Celina Portella: imagem como matéria.
Um gesto torce a imagem, lhe dá volume, como se se esforçasse por trazê-la ao real. O corpo impresso, antes restrito à bidimensionalidade do papel, ganha quina, dobra-se uma vez mais. Vemos fragmentos de corpos distribuídos no espaço expositivo, partes flexíveis: dobráveis. Em Dobras, estamos diante de um conjunto de imagens-objetos que dão prosseguimento à pesquisa de Celina Portella. Assim como em trabalhos anteriores, como nas séries Puxa, Quadros Cortados e Movimento2, a artista exercita as possibilidades corpóreas da imagem, buscando tensioná-la com o real, dar-lhe materialidade, trazê-la para fora do plano. É assim que explora os limiares entre a realidade e a ficção, o corpo e a virtualidade, confundindo as divisas entre a fotografia, a escultura, o vídeo, o objeto.
Desta vez, as partes do corpo vão se acomodando nos cantos da galeria, onde os ângulos da arquitetura encontrarão os ângulos da imagem. É nesse encontro de dobras que o espaço arquitetônico, já em si um campo de quinas e vértices, vai aos poucos sendo também corpo, revelando suas sinuosidades, enquanto o corpo vai também sinalizando sua casca geométrica, sua vocação arquitetônica, à medida que imaginamos as partes que lhe faltam. No entanto, aqui a dobra não é a dobra orgânica das articulações humanas, mas uma dobra rígida e angular, fazendo do corpo flexível um artefato com dobradiças, algo mais próximo de um autômato.
Em “Devoção e/ou Penitência”, por exemplo, os joelhos dobrados fazem lembrar as práticas religiosas, mas aqui, como recortes deslocados de seu contexto, acabam por reforçar um corpo estranho. Em “Não”, a imagem do dedo acompanha o ir e vir da máquina, transformando a reprovação, aqui sem destinatário específico, num recurso irônico. No vídeo “Dança Escondida” o isolamento do corpo, apenas entrevisto, reforça o caráter abstrato do movimento. São muitas as narrativas que podemos imaginar para essas fotografias escultóricas, imagens-matéria.
Ainda assim, a dobra, espécie de borda entre o lado de dentro e o lado de fora, se reforça como noção oportuna para ler a condição das imagens: beiras e margens de um real movente e instável, pregas do mundo concreto. Em Celina, a dobra é recurso material e conceitual, um modo de fazer da imagem uma coisa palpável, ou, na expressão de Didi-Huberman, uma imagem que quer tocar o real. Neste caso, literalmente.
Pollyana Quintella