Devolver o desenho ao desenho
Uma forma retangular sem fundo disposta ao chão, uma pá, o deslocamento de terra. Estes elementos pertenciam a uma das últimas ações de HÉlio Oiticica, no Caju (Devolver a Terra à Terra, no evento Kleemania, Rio de Janeiro 18/12/1979). De natureza telúrica e ao mesmo tempo significante, o símbolo tornado linguagem, este gesto ressurge de maneira surpreendente em um meio insuspeitavelmente pictórico na nova proposta de Marco Veloso.
Desenho conciso e severo, aliado à generosa proliferação de uma iconografia inconsciente, acompanha desde sempre a produção do artista, sobretudo ao longo da extensa realização de suas SÉries.
Carvão, papel e um enquadramento específico de acrílico transparente configuram essas SÉries. 16 desenhos que sempre nos revelam uma imagÉtica perturbadora onde, dentre outras coisas, prevalece o que eu chamaria de uma decupagem inquietante; são ainda uma espÉcie de ferramenta ótica. Valendo-se desse horizonte sequencial conquistado atravÉs daquelas “lentes”, surge então um desdobramento curioso – se apresenta um salto.
Todo aquele movimento de intrincadas visadas se repotencializa, vertido agora na pintura, lugar que nos possibilita entrever novas aventuras e intuir novas sínteses…
Substrato figura, a paleta binária do amarelo e do negro – somada a um branco ocasional – É o recurso encontrado que desafia o caudaloso, ardiloso e fascinante espaço da pintura. A velha dicotomia figura/fundo se problematiza e nos apresenta um jogo onde nosso olhar, uma vez mais, respira diante da indeterminação objetiva de fatores desconhecidos.
Montanha, mulher com cabeça fora do lugar, Égua, lancha pilotada, poste de luz, trajetórias gráficas, o aeroporto… ícones do rumo e perplexidades reunidas pelo traço são atuantes, contudo, em um meio alheio ao domínio deste, habitam então a enigmática viscosidade densa: imagem, tinta e tela.
HÉlio propôs um gesto àquela terra/signo. Agora, de forma desconcertante, Marco nos apresenta pintura/incógnita.
JosÉ Damasceno