“Corpo, corpo, corpo!” exclamou Drummond num verso do poema O Quarto em Desordem. Referia-se ele ao corpo físico ou a uma poÉtica percepção do amor? Possivelmente, a ambas. Roberto Burle Marx era dotado de uma poÉtica ampla. Seu corpo abrigava díspares formas de amor, a começar pelo amor esclarecido às coisas brasileiras. Em tudo ele olhava com outro olhar para o Brasil, dos tipos humanos — fuzileiros navais, lavadeiras – à natureza — bromÉlias, filodendros. Deles todos, Roberto retirava o sumo da cor, a luminosidade intensa, o contraste da sombra, a percepção da forma. Enfim, com contrastes, volumes e linhas o homem de ampla poÉtica passou a ser habitado pela paisagem. E a paisagem floresceu por suas mãos, cresceu e se transformou num dos mais extraordinários frutos da arte brasileira. O Museu de Arte Moderna de Nova York realizou uma exposição de seus projetos paisagísticos e desenhos, tendo publicado o livro “The unnatural art of the garden”. A retrospectiva abrangia 60 anos da carreira de Burle Marx, definido como o criador “dos mais opulentos jardins e dos parques mais exuberantes do sÉculo XX”. A importante retrospectiva realizada no Paço Imperial, no Rio, tambÉm deu grande destaque aos desenhos de Roberto. É curioso este amálgama entre o que está fora e dentro: o homem habitado pela obra; a obra impregnada da presença exuberante do ser. Estes desenhos são a nanquim – o preto no branco – mas parecem, como o ser, exuberantemente banhados de cor. As formas se retorcem e contorcem criando movimentos: É o vento ou É a sensualidade, aqui, acolá, com símbolos eróticos? Neste preto o que vejo É o preto? Ou o vermelho das estrelitzias, o amarelo dos ipês ou o verde dos filodendros? Vamos repetir o exercício que Roberto fez em vida: olhar com outro olhar para as coisas. E perceber o quanto a surpreendente luminosidade que vem lá de dentro (do papel? da alma do artista? de nosso próprio corpo?) deixa-se penetrar pela retina.
Leonel Kaz