Y que yo me la llevé ao rio
Creyendo que era mozuela,
Pero tenia marido.
Fu ela noche de Santiago
Y casi por compromisso
Se apagaron los faroles
E se encendieron los grilos.
Quando Xevi Solá fala, as palavras escoam como num rio. Caudaloso, sem dúvida. Talvez aquele rio de que seu conterrâneo, o poeta Garcia Lorca, mencionava no famoso Romanceiro Cigano. É de água que ele fala e de mulheres, também dissolvidas em água.
Num primeiro momento, percebem-se estas mulheres, quase esquálidas. Depois, algumas figuras rotundas. Mas não é a figura o que se depreende da tela. O que salta, o que sai de encontro a nossa retina são cores intensas, fortes, grandes manchas de cores em fragmentos inteiros do corpo como num seccionamento médico-legal, vestimentas, adornos — tudo se fundindo ao cenário de fundo. Ali, um conjunto de outras figuras inanimadas (casas, igrejas, matagais) está envolto em névoa. O detalhamento do rosto se contrai e o fundo se esvai,
Da mesma forma que entramos em um museu, entramos também em uma galeria de arte (e, por extensão, em nossa própria casa) com o corpo inteiro, de forma tridimensional. É necessário olhar com outro olhar para o que está à nossa volta, interpondo uma zona de silêncio entre nosso ser e as coisas. É este silêncio que vai permitir a vibrações rítmicas emanar das cores, produzindo ruídos incessantes, que nos capturem, que possibilite sermos docemente capturados.
O estranhamento que, a princípio, a obra do artista parece representar é secundário em relação ao som que ela provoca. Não se trata de sinestesia (apropriar uma coisa pela outra, um sentido pelo outro). O que se trata é de tentar exaltar cada figura, presa, inexoravelmente, a seu fundo. Este fundo que é cenário de dissonâncias rítmicas, como se houvessem duas telas na própria tela pintada. Dois conjuntos dissonantes, de frequências distintas: as figuras e o fundo.
As figuras estão desconcertadas neste grande palco que a tela propõe. Esperam ser aplaudidas? Vaiadas? Humilhadas em sua esqualidez ou no excesso de sua gordura? Queriam fugir da tela, as figuras, e se tornarem reais? ou, de fato, são seres reais que ali se liquefizeram em cor, aprisionadas pelo limite da pintura em comprimento e largura?
Há um evidente desassossego em tudo, mas quem anda por aí sossegado?
Leonel Kaz